segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

da janela lateral

e eu que era detentora das palavras escritas a mão, de repente descobri a tecnologia, o monitor, as teclas... um computador e as palavras também escritas nele. e aquele mocinho dos olhos encantadores que eu via da janela da vida, da janela de casa e a da minha alma, agora está lá, na janela do meu computador, na janela dos sites de relacionamento, na janela das siglas sononoras, mas visuais. de dentro do meu coração eu o levei pra esse mundo dos computadores. do lado de lá, na janela da minha tela, tenho um cantinho virtual reservado só pra ele: uma pasta com alguns megabites marcada com o seu nome no meu desktop. do lado daqui, armazenado ele está, no meu coração sem tamanho, forma ou extensão.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Valdemar

ele tinha a malemolência das ondas no seu corpo magro e no seu nome. preto moçambicano alto, forte, cantarolava uns pontos que eu gostava de ouvir. olhava os seres de baixo pra cima, avaliando o tamanho da grandeza de cada um. era um xamã, um sábio, respeitava para se ter respeito. quando o mundo estava ao avesso ele soltava um palavrão, era a urgência do peito que não queria calar. sabia de cada mundo, da grandeza das crianças à miudeza dos adultos, fazia dos ouvidos e dos olhos os seus sentidos mais aflorados; para ele, ouvir era saber. nasceu num dia igual a esse: 12/12/12, lá pelos idos de mil novecentos e poucos, mas muito se tinha naquele tempo em que as pessoas eram mais carne, alma e osso, às vezes duro de roer. pouca fala, muita prosa, somado aos barbantes amarrados nos tornozelos e aos muitos anéis nos dedos. esse era o meu avô, Valdemar.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

el monstruo de dos cabezas

só por hoje queria ter nascido da minha própria criação. assim teria quatro olhos, quatro braços, quatro pernas, duas cabeças e dois corações. queria me reinventar para ser outra coisa, outro ser. queria ser uma criatura juntada, híbrida, unificada dentro dessa dualidade de fenótipo mutante. só por hoje queria ser dois, simplificada em apenas um. enxergaria mais, abraçaria melhor, caminharia veloz, pensaria além, e o amor, esse nunca haveria de caber dentro de mim.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

mágua (mágoa)

ah, esse pedaço de memória que tenho de você… foi só o que sobrou daqueles tantos objetos abstratos perdidos e fundidos aos nossos efeitos e defeitos. tudo virou cheiro, saudade, memória, coisas sem toque. àquela espera da hora certa a apontar no relógio, alternada entre minutos e segundos fracionados. eu olhava o tempo e ele passava até virar um dia inteiro, uma semana, até se esvair em lágrimas e água de chuva. o fim é sempre igual, tudo plásmico, instável e volátil. não queria me recuperar, sinto que isso é o mesmo que esquecer. deixar escorrer é também perceber que os líquidos secam.